Viola Davis: da infância pobre à atriz negra mais indicada ao Oscar
- 25/04/2021
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Viola Davis no programa Sunday Today, em 2019 (Foto: Mike Smith/NBCU Photo Bank/NBCUniversal via Getty Images via Getty Images)
Aos 55 anos, Viola Davis faz história: com quatro indicações ao Oscar, ela tornou-se uma das poucas atrizes negras reconhecidas pela Academia e pode se tornar a única a levar duas estatuetas para casa. Voz ativa, ela usa sua potência para denunciar o racismo em Hollywood; confira a trajetória da atriz.
Parece que Viola Davis sempre esteve nos principais filmes de Hollywood. Quase como se de alguma forma ela tivesse entrado na memória coletiva que temos do cinema e sua presença fosse regra.
Esse é o seu poder. No entanto, foi somente em 2008 que a atriz, hoje com 55 anos, conseguiu seu primeiro grande papel nas telas com “Dúvida”, aos 43 anos. Foram necessários apenas 8 minutos em cena para que ela conquistasse uma indicação ao prêmio de Melhor Atriz Coadjuvante no Oscar.
Na cena, que tornou-se um estandarte do jogo de interpretação entre duas das maiores atrizes, Viola caminha ao lado de Meryl Streep, que representa uma freira desconfiada de que o padre da igreja St. Nicholas no Bronx, possa ter abusado sexualmente de Donald, o único aluno negro aceito na escola paroquial. Streep tenta convencer a mãe do rapaz, interpretada por Viola, de que há algo de errado na forma como o padre tem se relacionado com o seu filho, enquanto a senhora Miller prefere ignorar o problema.
O dilema da personagem de Viola é que o filho poderia perder sua única oportunidade na vida caso fosse expulso de uma boa escola. Embora o filme não se concentre em torno do debate racial, o racismo era manifesto: uma mulher negra não se via nas mesmas condições de denunciar as suspeitas de abuso contra o filho e entre os males ela teria que escolher aquele que lhe parecia menos pior.
Viola conquistou um currículo invejável, mas até lá teve um percurso que foi de tudo, menos fácil. Ela cresceu em Rhode Island com outros 5 irmãos em uma casa extremamente pobre. Com frequência, em suas entrevistas, a atriz recorda as dificuldades da infância. “Faço isso porque acho que a pobreza envolve muita vergonha.
Que você não seria pobre se fizesse a coisa certa. Quando você é pobre é isso que passa pela sua mente. Não é apenas um estado financeiro. É um estado de invisibilidade. É um estado de inutilidade", disse ao programa 60 minutes ao ser questionada por que escolhe falar tão abertamente sobre o assunto.
Quando adulta, Viola se formou em Teatro em duas escolas, primeiro na Rhode Island College. Depois de alguns anos trabalhando nos palcos ganhou uma bolsa de estudos para a prestigiada Juilliard, onde se formou em 1993.
Em sua audição ela fez um monólogo da obra “A cor púrpura”. Ao jornal The Telegraph ela falou sobre sua experiência em um dos mais prestigiados conservatórios de artes do mundo.
“Não posso dizer que não aprecie a minha formação lá, mas não encontrei um sentimento de pertencimento. Era um lugar que ensinava teatro clássico eurocêntrico como se fosse a Bíblia.”
Seu papel de estreia na Broadway foi em 1996 com o espetáculo “Seven Guitars”, do dramaturgo August Wilson (1945 - 2005), peça que recapitula os passos do jovem Floyd, um guitarrista de blues, negro, que estava prestes a assinar um contrato antes de ser morto.
As personagens de Wilson continuaram marcando a vida de Viola nos anos seguintes – mesmo 25 anos depois, quando o assassinato de outro Floyd tornou-se notícia nos jornais. Até chegar nas telas, teve um longo caminho nas artes dramáticas. E, hoje, o quadro é bastante diferente das dificuldades do começo.
Em 2012, ela foi indicada pela segunda vez ao Oscar de Melhor Atriz, com o filme “Histórias Cruzadas”. Nele, ela interpretou Aibileen Clark, uma empregada doméstica em uma Mississipi marcada pela segregação racial na década de 60.
Anos depois, Viola chegou a confessar ao jornal The New York Times que teria se arrependido de fazer parte no filme. Sua reação deveu-se ao protagonismo dado às personagens brancas e não às empregadas.
“Senti que, no final do dia, não eram as vozes das empregadas que eram ouvidas. Eu conheço Aibileen. Eu conheço a Minny [ambas personagens do filme]. Elas são minha avó. Eles são minha mãe.
E eu sei que se você fizer um filme onde toda a premissa é ‘eu quero saber como é trabalhar para pessoas brancas e criar filhos em 1963’, eu devo ouvir como você realmente se sente sobre isso. E nunca ouvi isso no decorrer do filme.”
Com uma carreira de sucesso, ela acumula três indicações e um prêmio de melhor atriz no Oscar. Já venceu também um Emmy (televisão) e um Tony (teatro) – conquistando a “tríplice coroa de atuação”. O Tony e o Oscar foram por sua interpretação em “Um limite entre nós”, peça também de August Wilson, que foi adaptada para o cinema.
Cada vez mais presente nas telas, sua voz tornou-se também cada vez mais alta sobre um problema que ainda não estava sendo discutido devidamente: Hollywood não estava encarando o próprio racismo. Não havia – e ainda não há – diversidade no cinema. Faltavam filmes e bons personagens para atores negros.
“A única razão pela qual estou quebrando recordes é porque ninguém foi reconhecido. Essa 'honra' é uma espécie de honra limitada. O problema é com a própria indústria cinematográfica, não com os prêmios. Você não pode indicar ninguém para prêmios se não houver filmes sendo feitos”, afirmou para a revista Variety.
Mas em 2014 surgiu uma personagem que quebrava estereótipos. Na série "How to get away with murder", produzida por Shonda Rhimes, Viola interpretou a professora universitária e advogada criminal Annalise Keating.
Foi com essa série que ela consolidou-se como uma das atrizes mais queridas e prestigiadas pelo público e pela crítica. Na série, uma cena tornou-se, particularmente, icônica: quando Keanning, ao fim do dia, limpa a maquiagem e tira sua peruca.
“Eu queria que essa cena estivesse em algum lugar da narrativa de Annalise. Que [mostrasse] que quem ela foi em sua vida pública e quem ela era em sua vida privada eram absoluta e completamente diametralmente opostas. Porque é isso que somos como pessoas. Usamos a máscara que sorri e mente”, disse à revista Insider.
Depois de uma carreira consistente e cansada de ter que provar seu talento, Viola percebeu que não adiantaria esperar que as boas histórias chegassem até ela, seria necessário que ela mesma capitaneasse essas narrativas. Com quase 30 anos de carreira, ela decidiu não aguardar mais Hollywood se adaptar.
Com o marido, Julius Tennon, ela criou a JuVee Productions, produtora independente que busca promover histórias a partir de “uma ampla gama de vozes emergentes”, trazendo à luz discussões sobre raça e proporcionando maiores oportunidades no teatro e no cinema. Em 2019, ela anunciou a intenção de adaptar a peça “O beijo no asfalto'', de Nelson Rodrigues para a Broadway.
Em 2021, Viola retorna ao Oscar indicada como melhor atriz por interpretar Gertrude Rainey (1886 - 1939), uma das primeiras cantoras do blues a ser gravada, em “A voz suprema do blues”, mais uma adaptação da peça de August Wilson.
Caso leve a estatueta para a casa, será a única atriz negra a ser reconhecida duas vezes pela Academia. Sobre os desafios ainda presentes, ela compartilhou o peso de ser uma figura de inspiração para outras mulheres negras.
“A responsabilidade de me sentir a grande esperança feminina negra para as mulheres negras tem sido um verdadeiro desafio profissional. Ser esse modelo e pegar o bastão quando você está lutando em sua própria vida tem sido difícil”, declarou ao jornal The New York Times.
Fonte: Marie Claire
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